Tenho um pedaço de espelho quebrado, pendurado no banheiro, não sei quem o quebrou. Talvez o autor esteja destinado a anos de azar. Não quero me atentar a isso. Quero sinalizar que estou insatisfeito com o espelho. É pequeno, a iluminação do banheiro acaba por insatisfazer ainda mais o ato de olhar a própria imagem.
Desço a ladeira da rua em poucos metros e, no
restaurante azul da rua seguinte há um espelho entre duas portas que dão para
os banheiros, masculino e feminino. Lavo as mãos, não para exaltar assim minha
preocupação higiênica, mas para garantir mais tempo em frente ao espelho. Ali
me vejo, um outro diferente do espelho da minha casa. O cabelo parece sempre
mais comportado, e o rosto um pouco mais definido. A noite quando desço para
tomar sopa esse espelho não funciona mais, o problema também está na
iluminação, que nesse momento não é a mesma do meio dia.
Recorro por fim ao espelho da farmácia,
utilizo sempre como pretexto a preocupação com o peso. Subo na balança que fica
em frente ao espelho e fico minutos prolongados me vendo e, por vezes,
arrumando o Black Power. De início a atendente me olhava com estranheza, hoje já
trata com normalidade, principalmente quando alego querer comprar balas de
gengibre. Não dá pra contestar, esse último espelho é o meu preferido, dá pra ver
dos pés até o mais alto frizz de cabelo.