domingo, 28 de dezembro de 2014

Texto no cabide: Borboleta e vôo

De cá percebi a borboleta presa na palheta que limpa o para-brisa do carro. A primeira dúvida que surge: Estaria ela morta? De certo estava. Se estivesse viva recorreria ao bater das asas para tentar desprender-se.
Comentei sobre a borboleta presa, falei da cor amarela dela, especulei sua morte. O motorista riu.
Não sei ao certo o que me incomodava naquela imagem. Refletia sobre o vôo. 
No dia anterior eu havia escrito um verso sobre o “vôo livre”, comparava ao amor, talvez caberia perfeitamente enquanto metáfora. Novamente ao olhar a imagem da borboleta morta, presa naquela palheta que a capturara em movimento repentino, percebo a força desta metáfora em relação ao amor. Não contrario o pensamento de que o vôo é livre assim como o amor, considero adicional a isso que o vôo é incerto, às vezes trágico, assim como o amor.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Texto no cabide: Dias de trovoada


Antônia parecia um tenente preparando o exército para a guerra. Saía de quarto em quarto avisando que estava trovejando e que todos deveriam cobrir com toalhas ou lençóis os espelhos que existiam pela casa, como também a TV da sala, essa ela mesma fazia questão de cobrir, embora não tivesse nenhuma simpatia com tal aparelho. Ela temia que por algum momento um raio desembestado pudesse se sentir atraído pela casa dela.

- Fiquem quietos, respeitem as coisas de Deus. 
Dizia Antônia quando os netos conversavam e riam da cama. Afinal as conversas eram frequentes nesses momentos porque os netos, desprovidos de tal conhecimento de senso comum, eram obrigados a ficarem na cama esperando a trovoada passar. Nada de pés no chão, nem roupas vermelhas. Isso tudo seria suicídio com certeza. 
- Se estão com fome deixem que a mãe de vocês pega um biscoito. Nem pensar em pedir pra acender o fogo ou mexer em colher. 
Tudo atraía raio. As coisas que mais eram desejosas no momento atraíam raios. Não podia rir, mas naquele momento o que os netos mais sentiam vontade era de rir. Riam e se sentiam culpados quando eram interrompidos pelo barulho estridente do trovão.
Deus não seria tão mal assim para lançar raios em quem simplesmente ria, deitado na cama, do estômago barulhento do outro. 
Antônia quase sempre adormecia. Embora tivesse vontade, sempre deixava o cachimbo pro dia seguinte. Seria arriscado acender um cachimbo ali. Comprometeria a família toda.