sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Texto no cabide: Reza


E ela rezou mais naquele dia, embora soubesse que não tinha motivos para isso.
Na mão um terço. No canto do olho uma lágrima.
Parecia bêbada. Estava bêbada. Quem às três da manhã rezaria tanto?
A tramela, a bacia e a flor de plástico vermelha eram testemunhas de tamanha embriaguez.
- Vovó Antônia dormiu ajoelhada.
Disse a neta quando o dia amanheceu.
Os dias sempre amanheciam assim de joelhos cinzentos e rosto marcado pela textura do lençol.
- Por que reza tanto Antônia?
Essa pergunta já cansava os ouvidos.
Ela não respondia, resmungava, passava a mão nos cabelos e ia dar milho as galinhas.
Nunca quis responder. Nunca sequer deu pistas quanto ao que queria alcançar com as rezas. Se insistiam demais no assunto, descansava o cachimbo do lado esquerdo e fingia surdez, dessas que a idade avançada permite, para poupar maiores chateações.

Gustav Klimt - As três idades da mulher, 1905

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