segunda-feira, 2 de junho de 2014

Texto no Cabide: Para vovô


Pedro, quando eu sentava na mesa de manhã cedo pra te acompanhar no café era simplesmente pra ver tua barba branca, alvinha feito espuma de leite, se sujar com o amarelado da banana cozida. Eu gostava de todo o seu ritual cotidiano de rezar antes de tomar o café e lavar as mãos e barba na bacia verde que ficava ao lado do filtro. Minha mãe já havia dito que não precisava fazer o sinal da cruz no rosto pra se proteger, mas eu olhava disfarçadamente pra você, pra ver sua mão flácida se benzendo e sua boca balbuciando palavras nunca decifradas por mim. Lembro com nitidez da sua imagem, do seu jaleco e do chapéu de couro, de você entrando pra casa quando o sol se punha, ajudado por um cajado de madeira.

Pouca coisa eu entendia e pouco entendo até hoje. Achava engraçado te ver cheirando uma pitada de fumo, com espirros em seqüência. Não sei bem se o fumo lhe fazia mal, mas eu gostava do cheirinho que ele deixava no jaleco marrom. Ele me fazia lembrar das histórias sobre lobisomens que você contava, você descrevia minuciosamente a cena. Recordo sobre as rezas a noite, as senhoras sambadeiras, as casas de farinha e o sinal da cruz livrador.


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