sábado, 28 de dezembro de 2013
domingo, 22 de dezembro de 2013
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
Texto no cabide: Menina carvão
Lucas Alves
Texto baseado na produção da artista Geisa Lima
Texto baseado na produção da artista Geisa Lima
A
menina andava pela ponte com rapidez, seus pés riscavam a todo instante poesias
sobre ela. Eram poesias que falavam de amor, de angústias, de saudades, de
alegrias e silêncio. No chão de metal da ponte ficavam as marcas de carvão, uma
cor intensa e negra, que fazia curvas e retas, num compasso de canção que só
ela tinha em mente. Calada, cheia de pensamentos, os suspiros eram entendidos
bem mais do que palavras.
Em
dias de chuva, com leves titubeios ela deixava cair da mala um emaranhado de
papéis de jornal, todos pintados de vermelho, cheios de expressões que falavam
de um povo, um povo que só ela era capaz de decifrar.
Afinal,
do que falavam os jornais? Algumas vezes falavam de amores, em outras de solidão,
mas o que prevalecia nos jornais eram uma força que superava o preto do carvão,
o cinza amarelado das letras e o vermelho estonteante das pinturas, uma força
que era capaz de tocar no outro sem ao menos precisar erguer a mão ou balbuciar
uma palavra.
Os
jornais cheios de palavras não caíam abaixo no rio, eles sobrevoavam alturas
incríveis, sumindo de vista no céu de nuvens cinzentas. Sem pranto, nem
lamento, o que havia escapado da mala era deixado pelos ares, porque ela sabia
que não precisaria de tantas palavras pra conseguir o que queria. Sem muito se
esforçar a menina com pés de carvão deixava de riscar o metal da ponte e
transferia agora em tons mais fortes os riscos para a calçada da cidade. De
maneira nenhuma ela queria trajetar seu percurso para casa, e sim lançar ao
espaço e ao tempo um protesto que se construía diariamente e era levado pelo
vento para as águas que banhavam a cidade.
Os
traços desordenados do carvão pareciam soar como imaturidade daquela menina,
mas não era, nunca foi. Ela já tinha percorrido um longo caminho, ela já havia
traçado inúmeros espaços, sem medo de errar ou precisar apagar. Mal sabiam as
pessoas que os traços desordenados se diluíam no rio, e traziam na harmonia da
evaporação um clima diferente na cidade. Mal sabiam as pessoas que elas tinham
traços feitos pela menina, como tatuagens de uma única cor, e pouco
desconfiavam que também carregavam na pele e no rosto tons de carvão, embora
fossem maquiados pela ignorância do não querer perceber como a pele fica bem
mais bonita com o preto e cinza.
A
menina, ao chegar em casa, limpava os pés no tapete úmido que de nada valia,
pois o piso da casa vivia riscado, com coisas que falavam do dia que viria.
Para amenizar, ela lançava jornais antecedendo suas pisadas, indo para o banheiro,
para a cozinha, para sala e por fim para o quarto. Os jornais em baixo tom
diziam “Obrigado” e tomavam com danças as portas e janelas prosseguindo aos
céus. A menina ia dormir com um belo sorriso no rosto, pois sabia que tudo
voltaria, cada traço e cada palavra lançada ao vento e ao tempo.
Geisa Lima. A mala de imagens |
![]() |
Obra selecionada na Bienal do Sertão |
Cabide de Biongo
cabidedebiongo@gmail.com
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Texto no cabide: Essa coisa de amor...
Não sei explicar, mas é de
se estranhar. É como se eu tentasse fugir da realidade e me submetesse ao
sonho, um sonho que também me persegue no desejo de te querer bem, comigo e por
perto. Talvez seja um erro, ou um acerto, mas não dá pra negar que existe algo
aqui que é mais forte que a razão de viver sobre o controle do não amar. Me
vejo despido, cheio de uma sensibilidade que só se tem quando se ama. Nunca
amei antes, talvez nunca amaria... mas é tão difícil dizer que o que sinto por
você não é amor. Outros tantos versos que escrevi já não fazem mais sentido
quando olho pro hoje, pra incerteza entre o te ter e o não ter, pra o coração
aflorado de angústias repentinas por não poder te abraçar.
O engraçado é que levo a
sério cada proposta que lancei disfarçada por brincadeiras envergonhadas. Levo
a sério cada pergunta que te faço com segundas intenções, mas não se sinta
amedrontado com essas palavras ingênuas de quem te quer pra sempre, não precisa
se preocupar, jamais queria que você estivesse infeliz ao meu lado. Quero que
você voe por aí, fazendo o que quer, o que precisa pra ser a própria
felicidade, pois tenho a certeza de que a tua felicidade também será a minha,
mesmo que eu tenha que lançar mão do estar ao teu lado. Faz algumas semanas que teu abraço virou
rotina nos meus sonhos. Sonhei que você me falava coisas como se fosse uma
pessoa experiente, mas via no seu olhar um brilho novo de adolescente capaz de
concordar com ideias bobas.
Lembra da última conversa
que tivemos? Fui verdadeiro em cada silêncio, em cada sorriso e movimentos de
nervoso. Fui sincero na música desafinada que cantei pra você, nas palavras
erradas que culpei o teclado do computador. Ah, se você pudesse sentir de
verdade o que acontece por aqui, nessa cabeça, nesse coração, nesse corpo,
entenderia muito mais sem ironizar ou desconversar. Já te disse algumas vezes
isso, e sei que ainda te custa acreditar, “Eu te amo”, e não pense que é fácil
dizer isso. É como a dor do primeiro olhar.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
Texto no cabide: É arte ou o que é?
![]() |
Les demoiselles d'Avignon |
Lá
em casa tinha uma infiltração no canto da parede, bem próximo de uma pintura
que fiz no ano passado. Eu até pensei em chamar alguém pra ver aquilo, no
entanto me faltou coragem e grana pra ter essa atitude, mas também a mancha
feita pela umidade era tão pequena que provavelmente não traria dano algum, ou
melhor, se desse algum problema seria o menor de todos.
Depois
de passar um mês, quando cheguei em casa cansado de um dia intenso de processos
artísticos percebi que havia um novo desenho na parede. Seria ali a imagem de
“Nossa Senhora”? Achei pouco provável ser, já que eu nem católico sou. Confesso
que me preocupei com a mancha que havia crescido uns trinta centímetros, porém
logo me deleitei num estado espiritual ao ver tamanha obra de arte, com uma
sinuosidade, que com certeza tinha influências das volutas barrocas.
Se
engana quem pensa que a história se acaba por aqui. Todo dia que chegava em
minha casa me deparava com imagens inacreditáveis em tons esverdeados, algumas
vezes até marrom ferrugem – se é que existe essa cor -. Quando me dei conta
metade da parede estava tomada pela “obra”, quero dizer “infiltração”, e pra
minha surpresa, adivinha quem estava lá? Uma daquelas mulheres da pintura de
Picasso “Les demoiselles d’Avignon”, justamente aquela que tem um rosto que se
assemelha às máscaras africanas. Até hoje quando lembro daquela imagem na
parede, me vem um arrepio da cabeça aos pés.
Cada
dia que passava era uma imagem que surgia. Eu vi a “Monalisa” com cabelos
esvoaçados, “O grito” de Munch, os readymades de Marcel Duchamp , o Homer
Simpson em contraposto, até o rei Davi virou tema durante uma semana
inteirinha, num cenário lindo de um verde cor de limo que até parecia limo de
verdade.
Ontem
quando cheguei em casa percebi que a parede já estava toda completa e dessa vez
a imagem era efetivamente abstrata, era estranha e parecia bem mais uma
infiltração problemática, do que qualquer outra coisa. Dá pra acreditar que a
casa tinha poças de água? Foi aí que me dei conta da burrada que fiz, e do erro
que foi acreditar que há arte sem sofrimento.
Agora
mesmo, enquanto o vizinho quebra a parede pra achar o motivo da infiltração eu
penso com temor sobre os pães que deixarei de comprar, as contas de água e
energia que acumularão e o plano de internet que talvez precise ser cancelado.
Depois de tudo isso que ocorreu eu só sei que infiltração por mais figurativa ou abstrata que seja, não é arte, ou melhor no meu caso não foi.
Depois de tudo isso que ocorreu eu só sei que infiltração por mais figurativa ou abstrata que seja, não é arte, ou melhor no meu caso não foi.
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