sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Texto no cabide: Menina carvão

Lucas Alves
Texto baseado na produção da artista Geisa Lima


A menina andava pela ponte com rapidez, seus pés riscavam a todo instante poesias sobre ela. Eram poesias que falavam de amor, de angústias, de saudades, de alegrias e silêncio. No chão de metal da ponte ficavam as marcas de carvão, uma cor intensa e negra, que fazia curvas e retas, num compasso de canção que só ela tinha em mente. Calada, cheia de pensamentos, os suspiros eram entendidos bem mais do que palavras.
Em dias de chuva, com leves titubeios ela deixava cair da mala um emaranhado de papéis de jornal, todos pintados de vermelho, cheios de expressões que falavam de um povo, um povo que só ela era capaz de decifrar.
Afinal, do que falavam os jornais? Algumas vezes falavam de amores, em outras de solidão, mas o que prevalecia nos jornais eram uma força que superava o preto do carvão, o cinza amarelado das letras e o vermelho estonteante das pinturas, uma força que era capaz de tocar no outro sem ao menos precisar erguer a mão ou balbuciar uma palavra.
Os jornais cheios de palavras não caíam abaixo no rio, eles sobrevoavam alturas incríveis, sumindo de vista no céu de nuvens cinzentas. Sem pranto, nem lamento, o que havia escapado da mala era deixado pelos ares, porque ela sabia que não precisaria de tantas palavras pra conseguir o que queria. Sem muito se esforçar a menina com pés de carvão deixava de riscar o metal da ponte e transferia agora em tons mais fortes os riscos para a calçada da cidade. De maneira nenhuma ela queria trajetar seu percurso para casa, e sim lançar ao espaço e ao tempo um protesto que se construía diariamente e era levado pelo vento para as águas que banhavam a cidade.
Os traços desordenados do carvão pareciam soar como imaturidade daquela menina, mas não era, nunca foi. Ela já tinha percorrido um longo caminho, ela já havia traçado inúmeros espaços, sem medo de errar ou precisar apagar. Mal sabiam as pessoas que os traços desordenados se diluíam no rio, e traziam na harmonia da evaporação um clima diferente na cidade. Mal sabiam as pessoas que elas tinham traços feitos pela menina, como tatuagens de uma única cor, e pouco desconfiavam que também carregavam na pele e no rosto tons de carvão, embora fossem maquiados pela ignorância do não querer perceber como a pele fica bem mais bonita com o preto e cinza.
A menina, ao chegar em casa, limpava os pés no tapete úmido que de nada valia, pois o piso da casa vivia riscado, com coisas que falavam do dia que viria. Para amenizar, ela lançava jornais antecedendo suas pisadas, indo para o banheiro, para a cozinha, para sala e por fim para o quarto. Os jornais em baixo tom diziam “Obrigado” e tomavam com danças as portas e janelas prosseguindo aos céus. A menina ia dormir com um belo sorriso no rosto, pois sabia que tudo voltaria, cada traço e cada palavra lançada ao vento e ao tempo.

Geisa Lima. A mala de imagens
Obra selecionada na Bienal do Sertão
































Cabide de Biongo
cabidedebiongo@gmail.com

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