quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Texto no cabide: É arte ou o que é?



Les demoiselles d'Avignon

Lá em casa tinha uma infiltração no canto da parede, bem próximo de uma pintura que fiz no ano passado. Eu até pensei em chamar alguém pra ver aquilo, no entanto me faltou coragem e grana pra ter essa atitude, mas também a mancha feita pela umidade era tão pequena que provavelmente não traria dano algum, ou melhor, se desse algum problema seria o menor de todos.
Depois de passar um mês, quando cheguei em casa cansado de um dia intenso de processos artísticos percebi que havia um novo desenho na parede. Seria ali a imagem de “Nossa Senhora”? Achei pouco provável ser, já que eu nem católico sou. Confesso que me preocupei com a mancha que havia crescido uns trinta centímetros, porém logo me deleitei num estado espiritual ao ver tamanha obra de arte, com uma sinuosidade, que com certeza tinha influências das volutas barrocas.
Se engana quem pensa que a história se acaba por aqui. Todo dia que chegava em minha casa me deparava com imagens inacreditáveis em tons esverdeados, algumas vezes até marrom ferrugem – se é que existe essa cor -. Quando me dei conta metade da parede estava tomada pela “obra”, quero dizer “infiltração”, e pra minha surpresa, adivinha quem estava lá? Uma daquelas mulheres da pintura de Picasso “Les demoiselles d’Avignon”, justamente aquela que tem um rosto que se assemelha às máscaras africanas. Até hoje quando lembro daquela imagem na parede, me vem um arrepio da cabeça aos pés.
Cada dia que passava era uma imagem que surgia. Eu vi a “Monalisa” com cabelos esvoaçados, “O grito”  de Munch, os readymades de Marcel Duchamp , o Homer Simpson em contraposto, até o rei Davi virou tema durante uma semana inteirinha, num cenário lindo de um verde cor de limo que até parecia limo de verdade.
Ontem quando cheguei em casa percebi que a parede já estava toda completa e dessa vez a imagem era efetivamente abstrata, era estranha e parecia bem mais uma infiltração problemática, do que qualquer outra coisa. Dá pra acreditar que a casa tinha poças de água? Foi aí que me dei conta da burrada que fiz, e do erro que foi acreditar que há arte sem sofrimento.
Agora mesmo, enquanto o vizinho quebra a parede pra achar o motivo da infiltração eu penso com temor sobre os pães que deixarei de comprar, as contas de água e energia que acumularão e o plano de internet que talvez precise ser cancelado. 
Depois de tudo isso que ocorreu eu só sei que infiltração por mais figurativa ou abstrata que seja, não é arte, ou melhor no meu caso não foi.

Um comentário: